Inicialmente,
esclareço que meu pai cresceu nos anos 1940. Antes do Maracanaço,
antes de Pelé brilhar nos campos da Suécia, antes de o futebol
brasileiro, definitivamente, conquistar o mundo. Mas, mesmo assim, o
Brasil já era o país do futebol. Sem tanta grana, sem arenas
multiuso, sem transmissão de tevê. Ao invés disso, existia um amor
inexplicável pelo futebol, que era jogado nos campos de terra batida
e assistido por um séquito de fanáticos pelo nobre esporte bretão.
Sem novela ou Netflix, o futebol era o verdadeiro passatempo nacional
e Leônidas da Silva era o seu maior astro.
Ser
reconhecido como grande jogador naqueles tempos era algo um pouco
mais difícil do que nos dias de hoje. Não existia videotape ou DVD
editado por empresários. Aliás, acho que nem empresário tinha.
Numa época em que praticamente todos os garotos nesse país jogavam
futebol, os craques somente eram reconhecidos por quem testemunhava
in loco as suas habilidades.
A fama vinha no boca a boca mesmo.
Meu
pai jogou futebol nos anos 1950 e 1960. E, tenho que acreditar que jogou
muito bem. Um craque, na opinião de quem o assistiu em campo,
comandando o meio de campo das equipes por onde jogou. Ganhou o
apelido de Didi. Aquele mesmo da “folha seca”. Mas, nunca foi
profissional. Chegou até os juniores do São Paulo FC. Após, foi
servir o exército e nunca mais tentou lugar num grande clube. Afinal,
os tempos eram outros. Não existia tanto dinheiro no futebol como
nos dias de hoje. Não dava pra alimentar o sonho de ser jogador de
futebol por muito tempo. Era preciso arrumar um emprego, sustentar a
casa, etc... e tal. Mas, isso não impediu que ele jogasse, como
amador, por diversos times da várzea, pela Seleção da Federação
Paulista de Futebol e, dizem até que jogou no Maracanã.
Eu
nunca vi meu pai jogar futebol. Na verdade, acho que assisti, ainda
criança, um jogo de futebol de salão, numa quadra perto de casa.
Não lembro ao certo. Sei que, naquela época, meu pai já sofria com
dores nas articulações do joelho, o que, provavelmente, tornavam o
futebol uma experiência mais dolorosa do que prazeirosa.
Quando
criança, lembro mais de meu pai me levando à escola ou saindo pra
trabalhar e voltando do trabalho já de noitinha. Depois, já
aposentado, lembro que era eu quem saía para o trabalho enquanto ele
ficava em casa, mas, a sua carreira de jogador parecia algo tão
longínquo, tão distante quanto a descoberta do fogo. E, para falar
a verdade, meu pai só falava dessa época quando perguntado. Esse
passado aparecia, ocasionalmente, sob a forma de uma pergunta
dirigida a mim, por quem, em algum momento, viu meu pai jogar: “Você
também joga bola?” - talvez tentassem encontrar em mim um novo
craque. Logo após, talvez um pouco desapontados com a minha resposta
negativa emendavam: “Seu pai jogava muita bola, era craque”! Tem
sido assim, e foi assim até no dia do velório de meu pai.
Mas,
amigos, por uma dessas ironias da genética nunca joguei futebol na
minha vida. No máximo, corri atrás da bola e da canela dos
adversários. Sou um cabeça de bagre assumido. O talento com a bola
não foi herdado. Atualmente, fujo de qualquer situação que possa
me colocar num mesmo espaço físico que um campo e uma bola de
futebol. Fiquei, sim, com a paixão pelo São Paulo FC que, na minha
família, tem passado de pai pra filho(a) e é quase proporcional à aversão que sinto pelo Corinthians. Aprendi a ser são paulino
com o meu pai. Isso mesmo. Ninguém nasce torcedor, a gente aprende a
curtir as alegrias e tristezas que um time de futebol proporciona, com o tempo, com a vontade de compartilhar até mesmo o sofrimento.
Acho que foi assim com meus irmãos também.
Engraçado. Lembro
agora que o último jogo que assisti com meu pai foi já nesses
tempos difíceis de hospital, internação, medicação etc. Foi um
São Paulo e Corinthians pela Libertadores, transmitido pela
televisão do quarto do hospital. Ganhamos o jogo. Meu pai, mesmo
acamado, vibrou com a vitória. Foi o nosso último jogo do Tricolor,
um clássico contra o Corinthians. E, vencemos. Fico feliz que tenha sido assim. Nenhum corintiano vai tirar sarro no dia seguinte. Você riu por último.
Missão
cumprida, Sêo Didi!
2 comentários:
Meu caro amigo! Se soubesse da história antes, até eu torceria pelo São Paulo naquele jogo. Meus sentimentos. Torcendo agora para que ele esteja encarando logo uma bolinha, quem sabe com tantos outros anônimos contemporâneos. Vê-se que o tratamento que você dá as palavras quando fala do futebol era o mesmo que ele dava a bola, cada um com seu privilégio.....
Ah, então está explicado porque nosso amigo virou sãopaulino! Bom, meu avô também era, passou a tradição para meus tios, e o único que não seguiu foi meu pai, do qual torço pelo mesmo time. Nem tudo é perfeito, fazer o quê...
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