quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Diário de maratonista (Reflexões sobre a corrida 18º de 20)

Tempo, tempo mano velho,
falta um tanto ainda eu sei
Pra você correr macio
(...)
Tempo, tempo, tempo mano velho
Tempo, tempo, tempo mano velho
Vai, vai, vai, vai, vai, vai.
(Música chicletinho da banda Pato Fu)


Fui apresentado à Cidade Universitária pela corrida. Afinal, a minha primeira corrida de rua foi realizada na USP; os 6k do Exército, no ano de 2004. Desde então, as ruas do campus da Cidade Universitária têm sido percurso quase obrigatório na minha carreira  de corredor. Perdi a conta do número de corridas e treinos realizados por ali. Talvez, por esse motivo eu tenha evitado correr na USP durante a fase de preparação.


Desde o ano passado, quando eu fiz a inscrição para a maratona eu sabia que o percurso da prova passaria pela USP. Era inevitável. Não treinar na USP durante a minha preparação significava não arriscar fazer um treino ruim num local que seria parte do percurso da prova, tinha um certo receio que seria exatamente esse “treino ruim” que ficaria preso à minha memória, principalmente no momento mais crítico da maratona.


Assim, quando eu saí da Ponte de Cidade Universitária em direção ao campus tinha na memória somente os treinos bacanas, as corridas legais que eu já tinha participado por lá. A USP, aos domingos, sem alunos, sem professores, quase sem funcionários vira uma “cidade fantasma” e a raia olímpica é sua avenida principal. Nesse domingo não foi muito diferente. Ninguém fala nada, as piadas e risadas do início da prova foram substituídas pelo silêncio, pela concentração. Sabia que nos próximos 7 ou 8 kms a minha única companhia seriam o barulho das passadas dos demais corredores e o barulho que os copinhos de plástico fazem ao atingir o asfalto.


Na altura do km 31 a corrida já estava mais vazia, eram poucos os corredores no percurso, eu perdi um pouco da minha noção de ritmo de prova, mas a sensação de esforço dizia que eu estava no ritmo certo. Entretanto, ao olhar no relógio percebi que o último quilômetro tinha sido percorrido em 5’35”. - Putz! Eu baixei demais o meu ritmo e estava cansado pra correr atrás do prejuízo. O balde de água fria foi jogado próximo ao km 33 quando o pacer do ritmo 5’20/km (o ritmo que eu planejava seguir no início da prova) passou por mim quase como um jato. Ainda tentei esboçar um - Peraí! Mas não adiantou, ele estava muito mais rápido que eu.


O meu ritmo começou a cair para 5’45”, 5’50” e 6’ por quilômetro. A essa altura eu já sabia que tinha batido no muro. A SP City Marathon tinha me pegado de jeito. Era estranho, eu não estava sem fôlego, eu não tinha dores musculares e nem mesmo os meus joelhos estavam incomodando tanto assim. Na Avenida Politécnica eu resolvi caminhar acelerado porn uns quinhentos metros e voltar a correr. Esses quinhentos metros foram longos demais e quando voltei, aí sim a minha musculatura parecia travada, as minhas passadas estavam curtas, os meus joelhos já não flexionavam no ângulo certo. Pane geral. Tive de parar quinhentos metros a frente.

Não estava ofegante, logo, no que diz respeito ao meu VO2 pra concluir a maratona eu estava bem. Eu não sentia nenhuma dor muscular, lembrava da Maratona de Porto Alegre, em 2007, quando os meus quadríceps pareciam terem sido triturados por um moedor de carne. Não sentia nada disso, pelo contrário, sentia-me ainda forte nos membros inferiores. Chequei o tendão patelar, para verificar se havia algum resquício de dor, inflamação e, surpreendentemente, não havia nada.


Na verdade, havia um problema sim. O problema estava na cabeça, era a minha mente mandando o corpo parar. Talvez tenha sido o ritmo forte imposto no início da prova, talvez tenha sido a ultrapassagem feita pelo pacer quilômetros antes. Não sei. Essa era a minha segunda maratona. Não dá pra ter todas as respostas. Ainda caminhando respirei fundo, avistei um posto com gatorade, logo após o km 37 e repeti pra mim mesmo de um jeito bem maternal: - Você vai lá pega a p… daquele Gatorade, bebe sem pressa e volta pra p… da corrida! E vê deixa de frescura! São só mais 5 kms!


Exageros a parte, foi mais ou menos isso. Eu peguei o gatorade geladíssimo, que bebi enquanto
caminhava sem pressa. Próximo à placa do km 38 eu olhei o cronômetro, tirei a camisa ensopada, apertei reset zerando todos os erros que porventura eu cometi na preparação ou na estratégia de prova, afinal, nessa maratona não haveria espaço para dedos apontados, para nada nem ninguém e, após, apertei start. Começamos a partir daqui. As passadas ainda estavam curtas no início, mas aos poucos fui voltando à minha postura de corrida. O isotônico, desta vez, não causou mal, pelo contrário, parecia ter me despertado.

Quando saí da USP parecia que eu tinha recuperado a minha alma de corredor. Sabem aqueles desenhos animados em que a alma sai do corpo do personagem e depois volta? Pois bem, alegorias a parte, o que aconteceu foi algo bem parecido. Cruzei o km 39 em 5’34”, o km 40 em 5’15, o km 41 em 5’05. Ali sabia que não havia mais retorno. A entrada do Jockey Club estava com bastante público. Lembro-me de ter cumprimentado alguns outros colegas maratonistas, saudado alguns transeuntes. Estava ansioso pra cruzar a linha de chegada. As placas começavam a anunciar 500 metros… e todas as dúvidas que ficaram no caminho. 400 metros… e os treinos naquelas manhãs gélidas no parque. 300 metros… e a expressão do meu ortopedista quando afirmei que correria a maratona em alguns meses. 200 metros… e as sessões de treino de fortalecimento na academia. 100 metros... É, eu sou foda! Chegou!!  

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