quinta-feira, 29 de setembro de 2016

XTERRA ILHABELA: Uma aventura na Mata Atlântica (parte final)




Quando você acumula uma certa experiência de corrida, o tempo pode ser calculado somente com a percepção do próprio esforço. A respiração, a frequência das passadas, o movimento dos braços são os indicadores. Várias vezes saí de casa para correr na rua sem cronômetro, mas, mesmo assim, tinha noção exata de quanto tempo tinha corrido, baseado somente no esforço durante o exercício. É possível até medir com certa precisão os quilômetros percorridos. O corpo e a mente conseguem construir um GPS eficientíssimo e o que é melhor. Corrida exige atenção e observação dos sinais que o corpo emite.

Pois bem, esse GPS humano funciona muito bem na rua, na cidade, no ambiente urbano. Na trilha, deu pane geral. Nem meu corpo e nem minha mente conseguiam dar pistas sobre o tempo e espaço. Aliás, na trilha, o tempo passa muito, muito devagar. Pequenos trechos geralmente são percorridos em muito tempo. Não sei bem o porquê. Preciso praticar mais essa modalidade pra aprender esses detalhes. Acredito que, na corrida em trilha o corredor fica muito mais focado no terreno, no ambiente ao redor, nos riscos de cada aclive, declive, charcos, obstáculos naturais. As passadas não podem ser tão largas, vencemos pequenos obstáculos e não quilômetros como nas corridas de rua.




Dizem que a corrida é um esporte solitário. Concordo! Mas, ainda assim, numa corrida de rua, a multidão, sejam de corredores ou de espectadores, conseguem construir um ambiente festivo. Vide a São Silvestre, a Meia do Rio, ou ainda uma Maratona como a de Nova Iorque, por exemplo. A corrida em trilha é um esporte solitário. Ponto. Durante vários trechos dessa experiência no XTERRA tive a impressão de ser o único competidor, um único louco de um bando que me deixou a própria sorte. Nada de atletas, nada de público. Apenas um corredor e a natureza ao redor. Raros foram os momentos compartilhados com outros corredores, nem que fosse uma piada ou palavra de incentivo. Me senti num daqueles programas de sobrevivência na selva que passam aos domingos, no Discovery Channel.

Solidão total. Quando encontrava outro corredor no caminho, nada de papo furado, concentração total no terreno. Até mesmo os aparelhos sonoros foram deixados de lado. Deixei o meu MP3 em São Paulo. O “batidão” que impulsiona o corredor é  a trilha sonora da mata; os passarinhos, as folhas secas, os zumbidos dos mosquitos, a correnteza do rio, quebrando nas pedras e o barulho da minha respiração, já ofegante!  



Esse povo que organiza o XTERRA é bem gozador mesmo. Acreditem que todos os anos a
organização do evento muda o percurso da corrida! E isso, claro, não quer dizer que a corrida do próximo ano ficará mais fácil ou mais difícil, mas, principalmente, impedem que eu ou qualquer outro corredor virem especialistas em percurso. Acho genial! Uma das maiores queixas dos corredores de rua de São Paulo é a carência de novos percursos. A gente sempre corre onde treina e treina no percurso das corridas, o que, com o passar do tempo, vai ficando bem chato, maçante. O XTERRA é uma surpresa até para os corredores mais experientes;

Debutei num evento que teve praticamente de tudo. A prova percorreu todos os tipos de terreno, até mesmo água. Isso mesmo. Os atletas tiveram que a travessar um rio, com a ajuda de uma corda. Momento tenso da competição. Cansaço, água e pedras escorregadias nunca formam uma combinação muito boa. Atravessei com certa agilidade, mas receoso de um tombo nas pedras que, àquela altura, além de machucar o corpo podia abalar a minha confiança para o restante de uma prova que estava apenas na metade.

 Após o rio, encaramos um trecho duríssimo no meio da mata, com subidas íngremes, que castigaram as pernas. O calor da manhã, a mata  fechada, a irregularidade do terreno, essa estufa chamada Mata Atlântica que impede a evaporação do suor, a desorientação. Sem saber o quanto já tinha corrido e quanto faltava concluir, ante a ausência de marcações, a mente fica confusa. Por duas vezes parei no meio do caminho receoso de estar perdido. Fui “despertado” por outros corredores que se aproximam, ofegantes, barulhentos. Não, não estava perdido! Segue a trilha!

Na saída da mata, mais uma subida em estrada de terra. Subo caminhando desta vez. Aprendi a lição? Não. Caminhar é a única opção. As pernas não aguentariam o desgaste de uma corrida, mesmo um trote poderia lesionar meus músculos, que foram bastante exigidos. Essa primeira subida é acompanhada por outras duas, tão íngremes quanto a primeira. Sofrimento total. Não sinto dores, apenas a incômoda sensação de estar no limite de minhas forças. E o pior; sem saber quanto falta para terminar. As subidas, enfim, parecem ter chegado ao fim, com uma descida igualmente íngreme de terra batida. Aproveito pra correr um pouco, soltar os braços, respirar. Ganho velocidade na descida. Diminuo quando vejo, mais à frente, uma corredora cair e descer, rolando, ladeira abaixo. Parece que só machucou as mãos que amorteceram a queda. Levanta, sacode a poeira e continua correndo.

Emendamos mais uma sequência de subidas e descidas no percurso, sendo que as descidas pareciam bem mais curtas e menos íngremes que as subidas. Avisto uma placa no chão, sinalizando “14km”. Dois terços da prova já tinham virado poeira. Hora de colocar a cabeça no lugar, concentrar, focar na chegada. Apenas mais 8km. Chego ao posto de abastecimento da organização. Água gelada, isotônico e uma das mais belas vistas do litoral de Ilhabela. Ninguém está com pressa. Hora de apreciar a vista, tirar algumas fotografias, hidratar, comer, relaxar, socializar com os outros corredores, enfim, recuperar o corpo e a mente para o final da prova. Aproximadamente 7 km. Olho no cronômetro e já passavam de 2 horas de prova. Talvez, concluísse com 2h40min, talvez após 3 horas. Sei lá, prometi a mim mesmo não olhar mais o cronômetro. Não importa mais. A única marca que importa é a linha de chegada.




Segundo o rapaz da organização disse, tínhamos que fazer mais 02 subidas em terra batida e que correspondia ao trecho mais elevado da trilha e, dali pra frente, eram mais de 6km de descida até a praia. Subimos em marcha, como num pelotão de soldados cansados de guerra. Fora da mata, dos mosquitos, galhos e espinhos, resolvi até tirar a camiseta molhada. Naquele momento, refrescou a pele como se eu tivesse vestindo um casaco de lã. Assim que o terreno aplanou, voltamos a correr. O percurso agora era um ladeirão de paralelepípedos, em ruas estreitas. A vontade de completar a prova era maior que o medo de cair naquela descida. Joelhos exigidos ao máximo. Chegamos ao centro da cidade. Sabadão ensolarado, bastante gente nas ruas, carros, bicicletas, bye bye solidão.

Enfim, de volta ao nível do mar, de volta à praia. Não sei exatamente quantos quilômetros faltam pra chegada, mas, nesse momento, o número pouco importa. A única coisa que importa é cruzar a linha de chegada. Correr na orla da praia, considerando todo o perrengue do percurso, foi um alívio. Pena que o cansaço não me permitiu curtir mais a beleza do lugar, aproveitar mais aquele momento especial, entender o quão grandioso tinha sido aquela jornada e a sua superação. Estava cansado demais pra racionalizar. Como um último desafio, o trecho final do percurso foi na areia fofa da praia. É preciso ter tornozelos de aço, meus amigos, pra aguentar essa raspinha de prova. O volume da música na arena começa a aumentar. Começo a enxergar lá na frente uma tendinha, que pode ser o pórtico de chegada. É o pórtico de chegada, com um tapete de cronometragem que faço questão de pisar com força, como que cravando uma bandeira. O símbolo dos desbravadores. Vim, vi e venci. O XTerra Ilhabela 2016 virou história. Bota essa medalha no peito, garoto!



Entrevista pós prova, hidratação, alimentação e descanso (realizada por um repórter que não quis ser identificado nesse blog):

P: Qual o momento mais sofrido da prova?

R: Ora, meu caro, como sempre, o momento mais sofrido é acordar de manhã cedinho, calçar os tênis e sair de casa pra correr.



P: E as dores? Tem alguma incomodando?

R: Em mim? Não, nenhuma. Vai doer amanhã naqueles colegas que não conseguiram completar a prova.



P: Quais os planos para o futuro?

R: Fazer um "treininho" leve amanhã pra recuperar...



P: E a sua participação no XTerra?

R: Foi ótima, mas, no ano que vem vai ser bem melhor, né!














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