Algumas da mais marcantes imagens e histórias que definiram o mundo tal qual conhecemos hoje, talvez tenham ocorrido num mesmo ano; o ano de 1964. É quase como imaginar que o mundo vivia dias de entediante calmaria e, num piscar de olhos, uma série de eventos ocorreram nas artes, no esporte, na política alterando definitivamente os rumos da história.É inevitável pensar no que seria da questão Israel e Palestina hoje se não fosse a criação da Organização para Libertação da Palestina – OLP naquele ano de 1964, levando ao mundo a sua reivindicação por um território livre, seja no diálogo ou utilizando formas de convencimento menos diplomáticas. Se naquele momento o mundo dava um passo adiante na desinteligência de diversos atos de violência e retaliação que ocorreriam nas décadas seguintes, por outro lado, o Prêmio Nobel da Paz, concedido a Martin Luther King, com seu discurso agregador, abriria uma página de esperança na triste história da segregação racial americana, elevando o seu ganhador à condição de grande líder mundial.
Longe
dos holofotes de Estocolmo o advogado sul-africano Nelson Mandela era condenado à prisão perpétua por conspirar contra o governo e por sabotagem. Era apenas o início de uma jornada que percorreria quase 03 décadasPor falar em início, talvez nenhum lançamento na história da música tenha sido tão devastador quanto a chegada dos Beatles aos Estados Unidos. A banda britânica logo de cara emplacou 02 hits nos primeiros lugares da parada Billboard – I want to hold your hand e She loves you – além de protagonizar uma das mais célebres apresentações ao vivo da história da televisão, ao aparecerem no popularíssimo Ed Sullivan Show.
No esporte, a grande novidade ocorreu nos Jogos Olímpicos de Tóquio, mas, não nas pistas, piscinas e quadras, mas sim, no ar. Pela primeira vez um satélite de comunicação pode transmitir ao vivo o evento para outros continentes cruzando o oceano Pacífico. Novo também era Cassius Clay, que viria a ser conhecido posteriormente como Muhamad Ali, quando tornou-se o mais jovem campeão do mundo dos pesos pesados.
Pelas bandas de cá a situação estava confusa pra muita gente. Primeiro, o presidente era quase que diariamente achincalhado pela oposição, pela imprensa, pelo empresariado e “alto clero” que protestavam contra as propostas reformistas do governo federal que classificavam de comunistas; o que era inaceitável. Depois o presidente, com o apoio apenas de sindicalistas, políticos liberais e estudantes discursa a todos os pulmões na Central do Brasil anunciando a ruptura do governo com as alas mais conservadoras da sociedade. Dias depois, fuzileiros navais de metralhadoras carregadas invadem a redação do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, uma Junta Militar assume o poder, muita gente é presa sem mandado e sem motivo aparente e o então ex-presidente vai pro Uruguai e de lá não volta mais. Estranho não?

E pensar que toda essa balburdia permaneceria desse mesmo jeitinho até o povão voltar às ruas e clamar pelo direito de escolher livremente os seus governantes. Mas até lá seriam vinte longos anos.
Por essas e outras o futebol continuava sendo o grande lazer popular nos idos dos anos 1960. Do almofadinha perfumado ao pobretão mais maltrapilho, de norte a sul desse país, todos acotovelavam-se nas arquibancadas, alambrados e “gerais”, por noventa minutos para aplaudir, protestar, reivindicar, xingar, gritar e cantar. Se na rua o brasileiro não podia fazer nada disso ou, se podia, deveria pensar duas vezes em quem xingar, aplaudir, ou por quem reinvindicar, sob pena de levar uns pescoções ou, pior, uma estada não muito prazerosa no distrito policial, no campo de futebol não havia restrições. Por muitos anos os campos de futebol foram palanque e urna do brasileiro.
O Santos ainda era ainda o time que mandava na bola. Também pudera, com os craques que dispunham em suas fileiras, até mesmo um jogo entre o alvinegro santista e o Caixa-prego Futebol Clube era tratado com status de grande exibição cênica com Pelé sendo o grande astro da companhia. Com a concorrência do prestigiadíssimo Troféu Roberto Gomes Pedrosa (Torneio Rio-São Paulo), que lotava estádios e movimentava a opinião pública, a CBD organizou mais uma edição da Taça Brasil, que indicava o representante brasileiro para a Libertadores do próximo ano.
A idéia não era fazer um torneio com chances iguais para todas as equipes, mas sim, garantir o maior número de federações representadas e, lógico, organizar uma grande final entre os representantes de São Paulo e Rio de Janeiro. Para muitos que ainda torcem o nariz para a equiparação desses títulos ao campeonato brasileiro (inclusive eu), deve-se reconhecer que naquela época seria impensável organizar um verdadeiro campeonato brasileiro de futebol. Imagine um país de dimensões continentais, sem transmissão de dados via satélite, com sistema aeroviário incipiente e com apenas uma rádio de penetração em quase todo o território nacional. Além disso, o torcedor de verdade não estava nem um pouco interessado nesses embates interestaduais, pois, o que valia mesmo era ganhar o campeonato estadual.
De qualquer maneira, a CBD fincou pé no torneio nacional e, em julho de 1964, vinte e duas agremiações iniciaram a disputa do título brasileiro. Foram elas: Santos (SP), Flamengo (RJ), Ceará (CE), Palmeiras (SP), Atlético (MG), Fluminense (BA), Náutico (PE), Metropol (SC), Confiança (SE), Rio Branco (ES), Paysandu (PA), Grêmio (RS), Campinense (PB), Maranhão (MA), Vila Nova (GO), Grêmio Marigá (PR), River (PI), CSA (AL), Cruzeiro do Sul (DF), Nacional(AM), Goitacaz (GB) e Alecrim (RN). Como nas edições anteriores as primeiras fases foram eliminatórias nas regiões das agremiações. Os campeões do Rio e de São Paulo entravam na fase semifinal. Como o campeão bandeirante foi o Palmeiras restou ao Santos buscar uma “difícil” vaga para as semifinais contra o Atlético (MG). Passeou. 4 a 1 e 5 a 1.
Para não deixar dúvidas, passaram pelo Palmeiras também (3 a 2 e 4 a 0). Na final o adversário era o Flamengo, que começava a ganhar respeito dos paulistas com um time sem grandes craques, mas, com jogadores extremamente voluntariosos e raçudos. Era, talvez, o início da mística rubro-negra. Mas, como naquela época não existia evento sobrenatural capaz de parar o time do Santos, o Flamengo foi derrotado no primeiro jogo, no Pacaembu, com sonoros 4 a 1. Na partida de volta, três dias depois, restava ao rubro-negro somente uma despedida honrosa com vitória no Maracanã, mas, num jogo morno, os times empataram em 0 a 0 para a frustração de mais de 50 mil pagantes.
2 comentários:
O youtube tem nos proporcionado algumas maravilhas, e como santista e apreciador do futebol, vi algumas imagens deste Santos e o que chama atenção era como este time se movimentava e deixava os adversários atordoados; Lima, Dorval, Coutinho, Pelé, eram muito parecidos fisicamente e se entendiam muito bem dentro de campo. Num dia vi um desses vídeos e logo em seguida assisti uma partida da Seleção de Mano Menezes: A sensação era de estar vendo uma jogo de pebolim.
Ainda bem que temos Youtube. Se tívessemos algo parecido há 40 anos atrás, talvez ainda tivéssemos um acervo cinematográfico espetacular com as grandes apresentações do Santos. E pensar que pouco antes dessa final o Santos ainda jogou contra o Corinthians e ganhou por 4 a 3 num jogo que classificam como memorável. O tabu continuava.
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