sexta-feira, 21 de junho de 2019

A rede social do Boteco

Faço minha corrida matinal. Todos os dias, com frio ou com chuva. Não é bem uma corrida, é uma caminhada daquelas de soar a camisa e tirar o peso morto do excesso da janta. Nos nos excedemos em quase tudo, mas não percebemos. Então, como estamos no inverno eu resolvi sair de casa um pouco mais tarde, já era quase onze da manhã. Passo na frente da padaria e algum movimento. No bar do Seu Geraldo eu vejo duas pessoas. Um bar aberto aquela hora não era nada de se espantar. Seu Geraldo sai correndo de dentro do bar e vai até a porta do estabelecimento, ele grita meu nome bem alto:

"Preciso que você dê um recado ao seu irmão!.
"Faz tempo que eu não vejo meus irmãos"
"Se você encontrar o Miguel, não deixe de dar um recado à ele. Diga que o negócio aqui está feio e que eu estou precisando de dinheiro".
"Só que está precisando de dinheiro? É esse o recado?"
"Isso mesmo, ele vai entender".

Eu me despeço e pronto para continuar minha rotina, ele novamente puxa assunto. Eu tenho muito respeito pelo Seu Geraldo, por isso não queria sair assim, sem dar muita atenção. Lembro de quando era pequeno e ia comer ovo colorido naquele bar. Antigamente bar era coisa de família, onde os velhos aposentados e os jovens desiludidos se encontravam para falar de futebol. Hoje não se fala mais sobre futebol, se fala sobre a vida dos jogadores. Você viu aquele carro de fulano? Viu a esposa de sicrano? Viu a mansão de beltrano? Seu Geraldo me segura pelo braço, amigavelmente.

"Vai ver o jogo hoje?"
"Não ligo mais para futebol. Assisto quando não tenho nada para fazer, mesmo assim, quase sempre eu durmo no meio da partida".
"Não é possível você dormir no meio de uma partida".
"Ando muito cansado, Seu Geraldo".
"Venha hoje aqui, vamos queimar uma carne".
"Pode ser".
"Andrade que vai bancar, ele trouxe oito quilos de carne. Tem frango, tem linguiça e tem um pedaço de picanha. Picanha ele disse que é para o final".
"Obrigado pelo convite".
"A bebida é por sua conta".

Pronto para continuar minha caminhada, ele continua o assunto do futebol, não deixando de lembrar que eu tenho um compromisso com ele, o de dar o recado para meu irmão:

"Da última vez tinha umas quarenta pessoas aqui. Seu irmão saiu meio tonto, vai ver que e por isso que ele esqueceu de acertar a cerveja e as caipirinhas".
"Eu darei o recado",
"Hoje é o Brasil, por isso do churrasco".
"Entendo"
"Você gosta do trabalho do Tite? Dizem que ele é retranqueiro. Eu não sei, acho que ele faz um bom trabalho. Olha só o que ele tem na mão, rapaz!"
"Os tempos são outros".
"Contra a Venezuela foi horrível, mas não faltou vontade".
"Vi um pedaço do jogo. Perderam muitos gols, né"
"Se fosse o Romário"
"Os tempos são outros".
"E esse lance com o Neymar? Puta que o pariu, como o cara se envolve com uma mulher assim?"

Eu estava com meu treino atrasado e entrar num assunto que eu não tenho a menor condição de opinar só seria mais constrangedor.

"Ele faz falta, não faz?"
"Não tenho opinião. Ele não fez muito pela seleção até agora".
"Não? Como, não?"

A pior sensação de acordar tarde é saber que o bar estará aberto?

"Não tem ninguém melhor que ele no mundo. Veja só o Messi, o quê ele fez?"
"O senhor razão".
"Vai ver hoje, vai ser um jogo difícil, não tenho menor dúvida que se Neymar estivesse em campo iríamos golear. Tínhamos goleado também a Venezuela".
"Bom, vou andando..."
"Não esquece o seu irmão"
"Lembrarei do recado".
"E venha hoje.. vai ser bom você falar com seus amigos... desde as eleições você anda sumido".
"Virei".

Nunca se sabe se conversar muito sem dizer nada é o mal da humanidade, mas tenho certeza que passar na porta do bar logo pela manhã é uma das coisas mais inúteis que podemos fazer.






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