terça-feira, 21 de novembro de 2017

Afinal, quem é o bandido?


Alguém já ouviu falar do termo “bandit”? Ou corredor bandido? Não? Então que tal a expressão “pipoca”? Enfim, todas essas denominações são usadas para identificar aquele atleta que comparece nos eventos de corrida, sem estar oficialmente inscrito, em suma, sem pagar nada. No Brasil, o termo “pipoca” conferiu certo quê de gaiatice e bom humor a essa prática que ocorre em todo o lugar do mundo.

Comecei a correr em 2004 e, desde aquela época a pipocagem era um fenômeno comum, principalmente, nas provas mais concorridas, como era o caso da São Silvestre. Afinal, as inscrições acabavam muito rápido, não supriam a demanda de corredores e, um corredor a mais, um a menos não fazia a menor diferença. Mesmo nos eventos menores, a prática era utilizada por corredores sedentos por realizar um treino de corrida num percurso oficial, aferido, e com todo o conteúdo motivacional de uma competição.

Eu fui um praticante assíduo da pipocagem no início da minha carreira de corredor. Queria fazer um treino sabendo, exatamente, o quanto eu havia corrido, sem ter que treinar nos mesmos percursos de sempre (Usp e Ibirapuera). Normalmente, me posicionava no pórtico de largada, vestindo a minha camelbak[i], corria sem parar em nenhum posto de hidratação, afinal sabia que não tinha pago pela água distribuída no evento e, ao final, voltava pra casa. Essa era a minha pipocagem.

A minha defesa e a de outros pipocas era a de que a rua é pública. Se, costumeiramente, treino na rua, ninguém pode me impedir de utilizar a via pública pra correr. O argumento, na verdade, é impreciso. A rua é pública, mas em determinadas situações, o seu uso pode ser limitado ou restringido pelo Poder Público, para atender a um evento privado. É o que acontece com as corridas de rua. O Estado permite ao organizador da corrida utilizar aquela via pública em determinado horário, limitando o acesso de veículos e pedestres. E é uma prerrogativa do organizador impedir que pessoas não inscritas ou autorizadas tenham acesso ao percurso.

Como já mencionei aqui no Patativa fiquei um bom período sem participar de provas, principalmente após 2010. Nesse período, a prática da pipocagem mudou bastante. Ficou mais pro “bandit” ou bandido mesmo. O pipoca, versão 2010, considera todo o valor de inscrição alto, mas, mesmo assim, comparece, religiosamente, em todos os eventos. Sem inscrição oficial, claro. Utilizam, graciosamente, toda a estrutura oferecida pelo organizador durante o percurso aos atletas inscritos (água, isotônico, frutas) e, ainda, em alguns casos, conseguem até pegar a medalha de participação.

O organizador sabe que o pipoca aparecerá em grande número, portanto, é obrigado a oferecer uma estrutura muito maior para atender a todos (inscritos e não inscritos). Isso tudo encarece o evento. Como não há patrocínio direto (capital) da iniciativa privada, mas tão-somente apoio institucional ou permutas que geralmente são aqueles produtos que recheiam os kits dos corredores, o custo do evento é bancado somente pelo valor da inscrição, ou melhor dizendo, pelo corredor inscrito.

Até aí, convenhamos, tudo bem. Nós, corredores, estamos acostumados a pagar caro e gostamos disso. Por outro lado, se o organizador sabe que o pipoca aparecerá, por que não cria condições para coibir essa prática, instruindo os staffs a não entregar os recursos da prova àqueles que não estão oficialmente inscritos? Bom, parece que os organizadores não estão lá muito ocupados com esse “problema”. Preferem receber toda a sorte de críticas pela organização de um evento ruim, porque sabem que o corredor brasileiro, em sua maioria, não está nem aí para a organização de prova, preocupa-se com a camiseta e a sacola do kit, com os brindes, mas com a prova em si, nada.

Exemplo disso aconteceu ontem, na TIMÃO RUN, evento que percorreu as ruas do entorno do Estádio Itaquerão[ii]. Correm nas redes sociais as críticas de corredores inscritos que, pasmem, não receberam a medalha de participação, sob a alegação de que haviam acabado? Como isso é possível? A organização confeccionou menos medalhas que o número de inscritos? Provavelmente não. Em semana de comemoração de título, é possível que alguns pipocas (bandidos) tenham levado, acidentalmente, uma medalha de participação, ou ainda, os próprios staffs tenha resolvido levar para casa alguma recordação para presentear aquele tio corintiano tão querido.

Enfim, parece que a organização da TIMÃO RUN mandará as medalhas pelo correio, aos atletas/consumidores lesados, mas o momento da celebração, da entrega da medalha de finisher, da materialização da superação, do dever cumprido, esse foi roubado dos atletas. A dúvida é identificar o bandido que praticou o roubo.

    




[i] Mochila com um recipiente isolado de hidratação para atividades ao ar livre
[ii] Estádio do Sport Club Corinthians Paulista que, na falta de um contrato de naming rights, adotou o simpático nome dado pelos torcedores rivais.

Nenhum comentário: