
Para aqueles que talvez não saibam, desde criança tenho uma verdadeira fascinação pela Corrida de São Silvestre, como muitos outros fãs de esporte nascidos e criados em uma cidade como São Paulo e que não tinham, ainda, o hábito de descer ao litoral para os últimos festejos do ano. Não sou capaz de me lembrar de promessas que fiz no último dia do ano, nem tampouco do que comi na farta ceia preparada durante todo um dia por minha mãe, mas, sou capaz de lembrar das vitórias do Rolando Vera, da Rosa Mota, do João da Mata e do José João da Silva, como se a prova estivesse ocorrendo nesse exato instante.
Lembro da prova noturna, das ruas do centro da cidade lotadas, da expressão de esforço dos atletas na subida da Consolação (na época o percurso era invertido), daquela explosão de alegria na chegada em plena Avenida Paulista, o maior símbolo dessa metrópole, em frente ao prédio da Fundação Casper Líbero. Lembro daquela multidão de pessoas que se amontoavam num pequeno corredor nos metros finais para saudar, fotografar, incentivar os atletas ou até mesmo para beijá-los como era o caso do chato, mas, agora saudoso Beijoqueiro, eterno personagem dos grandes eventos desse país.
Cresci com essas imagens e com o sonho de que, um dia, seria eu a romper a Avenida Paulista, em um sprint glorioso rumo a linha de chegada. É lógico que, na época, acreditava que era possível chegar em primeiro lugar, mas, bastaram alguns anos para perceber que esse objetivo não seria alcançado. Mais crescido, incluí entre os meus programas de final de ano, uma excursão pela Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, no dia da prova para acompanhar toda aquela festa, os preparativos, o aquecimento dos atletas. Foi nessa época que eu me simpatizei com a figura do atleta amador. Era difícil acompanhar os atletas de elite com o olhar, eles passavam rápido demais, altivos, auto-suficientes. Os amadores, não. Talvez precisassem de um incentivo para encarar aquela subida, uma ajuda, um aplauso, sei lá. Vi jovens, idosos, gente em cadeira de rodas fazendo aquele mesmo percurso, sentindo as mesmas dores, encarando o mesmo desafio dos profissionais, só que numa marcha um pouco mais lenta. Nessa hora, como boa parte do público, pensei; “Acho que com um pouco de treino dá”.
Depois de alguns anos fazendo os mesmos planos e as mesma promessa, finalmente, tomei vergonha na cara e resolvi treinar pra valer para completar o desafio da São Silvestre. A prova já não era a mesma de meus tempos de garoto, posto que agora era disputada durante o dia e o percurso tinha uma metragem internacional, mas, mesmo assim, largaríamos na Paulista, correríamos pelo centro antigo e, após o calvário da subida, regressaríamos a Paulista para receber o apoio caloroso do público nas arquibancadas.
A minha estréia foi no ano de 2006 e, apesar de todos os meses de treinamento era visível o meu nervosismo e empolgação na largada. Corredores de rua acostumam-se, rapidamente, com a solidão do esporte, nos treinos e provas, mas, na São Silvestre tinha público por todos os lados, arquibancadas lotadas, torcidas organizadas. A Paulista era uma festa para os corredores e eu lá, um dos privilegiados aguardando o tiro de largada. Quantas histórias bacanas por trás da tensão daqueles músculos. Gente que perdeu peso, gente que mudou de vida, gente que atravessou o país pra estar lá. Os momentos que antecedem a largada eram legais demais! Depois entra a música do Vangelis, aquela mesma do filme Carruagens de Fogo. Por mais frio e insensível que seja o indivíduo, não há como não se arrepiar com aqueles acordes. O coração dispara mesmo e fica nítido que você está participando de algo grande e especial. É a história, a tradição de um evento.
A festa percorre boa parte do centro antigo da cidade, lugares que muitas vezes, de tão apressados que passamos, nem percebemos a sua beleza e singularidade. É o meu momento de reencontro com a minha cidade. A beleza da decadência ali edificada sob meus olhos. Muito bonito. Durante o percurso todos os corredores (amadores) se divertem, contam piadas, traçam duelos pessoais contra alguns corredores fantasiados. Como é bom ultrapassar o Hulk, o Batman ou deixar o Bin Laden comer a nossa poeira! Então, chega a temida “Subida da Brigadeiro”. Bem treinado ou não essa é a hora da verdade. O percurso está no final e é hora de você responder algumas questões sobre a sua vida, sobre os sacrifícios pessoais que você está disposto a encarar no próximo ano, sobre as vitórias conquistadas nos últimos 12 meses. É hora do balanço geral. Vale lembrar dos treinos de madrugada, das festas, churrascos, casamentos que você deixou de ir para estar ali, naquele momento. Lembrar das desculpas esfarrapadas que teve de dar aos amigos e familiares para recusar aquela “saideira” ou mais um pedaço de bolo. Tudo isso, acreditem, chega nessa hora, porque você sabe que, por mais dura que seja a subida, por mais lancinante que seja a dor, é só virar à direita que a Paulista está lá, esperando por você, aplaudindo, vibrando, gritando. Não há o que temer. É só cruzar a linha, colocar a medalha no pescoço e voltar pra casa com o orgulho que só aqueles que compartilharam da mesma experiência sabem saborear. E, assim, foram os últimos 05 anos.
Infelizmente, mataram mais uma tradição da minha cidade. Próxima a completar 87 anos de vida, os organizadores e empresários insensíveis alteraram uma das melhores marcas da corrida; a chegada na Avenida Paulista. Como se já não bastasse a entrega prévia da medalha de finisher (concluinte) ocorrida no ano passado, a partir desse ano, a chegada ocorrerá no Parque do Ibirapuera. Uma alteração broxante para quem já correu a prova. Eu sei do tumulto que tem ocorrido na dispersão dos atletas por conta desse evento intitulado Reveillon na Paulista, mas, por favor, não assassinem a nossa velhinha dessa forma! Deixem que ano pós ano, mais corredores desfrutem dessa experiência. Daí é pra pior. No ano seguinte, sabe-se lá o que vai ocorrer. Uma largada sem corredores amadores? Largada e chegada na Praça Campo de Bagatelli? Corrida no Sambódromo? Sei lá.
Lembro da prova noturna, das ruas do centro da cidade lotadas, da expressão de esforço dos atletas na subida da Consolação (na época o percurso era invertido), daquela explosão de alegria na chegada em plena Avenida Paulista, o maior símbolo dessa metrópole, em frente ao prédio da Fundação Casper Líbero. Lembro daquela multidão de pessoas que se amontoavam num pequeno corredor nos metros finais para saudar, fotografar, incentivar os atletas ou até mesmo para beijá-los como era o caso do chato, mas, agora saudoso Beijoqueiro, eterno personagem dos grandes eventos desse país.
Cresci com essas imagens e com o sonho de que, um dia, seria eu a romper a Avenida Paulista, em um sprint glorioso rumo a linha de chegada. É lógico que, na época, acreditava que era possível chegar em primeiro lugar, mas, bastaram alguns anos para perceber que esse objetivo não seria alcançado. Mais crescido, incluí entre os meus programas de final de ano, uma excursão pela Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, no dia da prova para acompanhar toda aquela festa, os preparativos, o aquecimento dos atletas. Foi nessa época que eu me simpatizei com a figura do atleta amador. Era difícil acompanhar os atletas de elite com o olhar, eles passavam rápido demais, altivos, auto-suficientes. Os amadores, não. Talvez precisassem de um incentivo para encarar aquela subida, uma ajuda, um aplauso, sei lá. Vi jovens, idosos, gente em cadeira de rodas fazendo aquele mesmo percurso, sentindo as mesmas dores, encarando o mesmo desafio dos profissionais, só que numa marcha um pouco mais lenta. Nessa hora, como boa parte do público, pensei; “Acho que com um pouco de treino dá”.
Depois de alguns anos fazendo os mesmos planos e as mesma promessa, finalmente, tomei vergonha na cara e resolvi treinar pra valer para completar o desafio da São Silvestre. A prova já não era a mesma de meus tempos de garoto, posto que agora era disputada durante o dia e o percurso tinha uma metragem internacional, mas, mesmo assim, largaríamos na Paulista, correríamos pelo centro antigo e, após o calvário da subida, regressaríamos a Paulista para receber o apoio caloroso do público nas arquibancadas.
A minha estréia foi no ano de 2006 e, apesar de todos os meses de treinamento era visível o meu nervosismo e empolgação na largada. Corredores de rua acostumam-se, rapidamente, com a solidão do esporte, nos treinos e provas, mas, na São Silvestre tinha público por todos os lados, arquibancadas lotadas, torcidas organizadas. A Paulista era uma festa para os corredores e eu lá, um dos privilegiados aguardando o tiro de largada. Quantas histórias bacanas por trás da tensão daqueles músculos. Gente que perdeu peso, gente que mudou de vida, gente que atravessou o país pra estar lá. Os momentos que antecedem a largada eram legais demais! Depois entra a música do Vangelis, aquela mesma do filme Carruagens de Fogo. Por mais frio e insensível que seja o indivíduo, não há como não se arrepiar com aqueles acordes. O coração dispara mesmo e fica nítido que você está participando de algo grande e especial. É a história, a tradição de um evento.
A festa percorre boa parte do centro antigo da cidade, lugares que muitas vezes, de tão apressados que passamos, nem percebemos a sua beleza e singularidade. É o meu momento de reencontro com a minha cidade. A beleza da decadência ali edificada sob meus olhos. Muito bonito. Durante o percurso todos os corredores (amadores) se divertem, contam piadas, traçam duelos pessoais contra alguns corredores fantasiados. Como é bom ultrapassar o Hulk, o Batman ou deixar o Bin Laden comer a nossa poeira! Então, chega a temida “Subida da Brigadeiro”. Bem treinado ou não essa é a hora da verdade. O percurso está no final e é hora de você responder algumas questões sobre a sua vida, sobre os sacrifícios pessoais que você está disposto a encarar no próximo ano, sobre as vitórias conquistadas nos últimos 12 meses. É hora do balanço geral. Vale lembrar dos treinos de madrugada, das festas, churrascos, casamentos que você deixou de ir para estar ali, naquele momento. Lembrar das desculpas esfarrapadas que teve de dar aos amigos e familiares para recusar aquela “saideira” ou mais um pedaço de bolo. Tudo isso, acreditem, chega nessa hora, porque você sabe que, por mais dura que seja a subida, por mais lancinante que seja a dor, é só virar à direita que a Paulista está lá, esperando por você, aplaudindo, vibrando, gritando. Não há o que temer. É só cruzar a linha, colocar a medalha no pescoço e voltar pra casa com o orgulho que só aqueles que compartilharam da mesma experiência sabem saborear. E, assim, foram os últimos 05 anos.
Infelizmente, mataram mais uma tradição da minha cidade. Próxima a completar 87 anos de vida, os organizadores e empresários insensíveis alteraram uma das melhores marcas da corrida; a chegada na Avenida Paulista. Como se já não bastasse a entrega prévia da medalha de finisher (concluinte) ocorrida no ano passado, a partir desse ano, a chegada ocorrerá no Parque do Ibirapuera. Uma alteração broxante para quem já correu a prova. Eu sei do tumulto que tem ocorrido na dispersão dos atletas por conta desse evento intitulado Reveillon na Paulista, mas, por favor, não assassinem a nossa velhinha dessa forma! Deixem que ano pós ano, mais corredores desfrutem dessa experiência. Daí é pra pior. No ano seguinte, sabe-se lá o que vai ocorrer. Uma largada sem corredores amadores? Largada e chegada na Praça Campo de Bagatelli? Corrida no Sambódromo? Sei lá.
2 comentários:
Não comece a dar idéias que vai que eles inventam uma largada no Autódromo de Interlagos com chegada no Ibirapuera - ou melhor, chegada naquela avenida em frente aos estúdios da Plim-Plim (esquecí o nome da avenida), sabe-se lá o que mais pode sair do intestino desse pessoal...
Não quero dar idéia, mas desse jeito vão inventar a São Silvestre de 5 km.
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