sábado, 21 de maio de 2011

Dos companheiros revolucionários à ascensão dos mais fracos, não há como esquecer aquele ano de 1959.





Um país febril. A febre do futebol infestou o Brasil após a vitória da seleção brasileira em gramados suecos, em 1958. Após as frustrações de 1950 e 1954 a taça do mundo finalmente aterrisava em nosso território. O orgulho e a arrogância nacional ficaram expostas a ponto de acreditarmos, realmente, na letra da música que dizia que “com brasileiro não há quem possa”. Éramos os melhores do mundo. O manjado complexo de vira-latas havida ficado no passado. Apesar de sermos o país do futuro tínhamos algo para ter orgulho em nosso presente: o futebol. Uma nação aos pés da bola e do menino de ouro Pelé.

Foi nesse clima de festa e carnaval que acordamos, no primeiro dia do ano de 1959 com a notícia que uma tropa de revolucionários cubanos deram um basta na opressão e chutaram o ditador Fulgêncio Batista do poder, após quase 03 anos de resistência armada. Como diria um dos líderes da revolução, um argentino de nome Ernesto - “derrota após derrota, até a vitória final”. O povão, o mais fraco, o Zé das Couves, finalmente tinha ganho do mais forte e essa vitória deve ter inspirado muita gente por aqui também.

A euforia futebolística brasileira fez com que os dirigentes brasileiros da CBD (extinta Confederação Brasileira de Desportos) apresentassem no congresso da Confederação Sul-Americana o projeto de uma Copa dos Campeões de Clubes. Esse foi o esboço do que veio a ser conhecida posteriormente como Taça Libertadores de America. Só havia um problema para os brasileiros; não tínhamos campeonatos nacionais. A CBD apresentou uma solução razoavelmente justa, mas, com um forte conteúdo político: reunir os campeões de 16 federações estaduais que jogariam entre 1959 e 1960 para decidir quem seria o representante brasileiro na recém-criada competição sul-americana. Eram eles: Bahia (BA), Santos (SP), Grêmio (RS), Vasco da Gama (GB), Sport Recife (PE), Rio Branco (ES), Tuna Luso (PA), Atlético (PR), Ceará (CE), Atlético (MG), Ferroviário (MA), ABC (RN), Hercílio Luz (SC), Manufatora (RJ), Auto Esporte (PB) e CSA (AL).

Apesar da aparente inspiração democrática da CBD a verdade é que a Taça Brasil foi feita para ter um embate final entre os campeões de São Paulo e o da Guanabara. Tanto é verdade que o esses 02 só entravam na competição na fase semi-final, Enquanto isso, os 14 clubes restantes comeram o pão que o diabo amassou em disputas eliminatórias de dois jogos. Como não havia vantagem pelo saldo de gols ocasionalmente era necessário um terceiro jogo para decidir a disputa. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Bahia, que na primeira partida final do Grupo Norte venceu o Sport Recife por 3x2, em Salvador, mas, no jogo da revanche, em Recife, perdeu por 6x0, obrigando a realização do jogo desempate, três dias depois na capital pernambucana. De forma surpreendente os campeões baianos ganharam o jogo por 2x0 e se classificaram para a fase semi-final.

A disputa semi-final reuniu Bahia, Grêmio e os favoritos Santos e Vasco da Gama. Os paulistas e os cariocas reuniam em seu plantel jogadores que levantaram o caneco na Suécia e eram, inquestionavelmente, os melhores times. Tinha tudo para ser uma barbada. Na primeira semi-final o Santos de Pelé & Cia. não teve dificuldades para superar o Grêmio. A zebra aconteceu em Salvador, com a improvável vitória do Bahia sobre o poderoso Vasco da Gama.

A ideia inicial era realizar os dois jogos finais em dezembro de 1959 e entregar a taça ao Santos, que sairia em longa excursão pelo exterior. O melhor time ganharia e todos poderiam curtir a passagem de ano, em festinhas caseiras, ao som do hit da época; Estúpido Cupido, da Cely Campelo, mas, não foi bem assim que as coisas aconteceram.

No primeiro jogo, na Vila Belmiro, o primeiro susto. O Bahia ganha do poderoso Santos por 3x2. Pelé anotou os dois gols do Peixe e o Bahia, com um de Biriba e dois de Alencar (o último no final do jogo), para desempatar. O jogo seguinte, na Fonte Nova, seria difícil, mas, o time do Santos com jogadores do calibre de Pelé, Pepe, Coutinho, Dorval e Zito, dificilmente perderia dois jogos seguidos para o mesmo time. De fato, o Santos não teve muita dificuldades para vencer o Bahia, por 2x0, obrigando a realização do terceiro jogo, que deveria ter sido realizado, também, na Fonte Nova, mas, a diretoria do Santos não aceitou e exigiu um campo neutro. Como nos dias de hoje, a CBD atendeu à solicitação do clube mais forte. Depois da acachapante derrota em casa, o presidente do Bahia, Osório Vilas Boas, resolveu não protestar. Ele sabia que se o tricolor baiano enfrentasse o Santos logo após o segundo jogo, seria massacrado. E também acreditava que o Santos voltaria destruído da excursão européia. Mineiramente, aceitou a “sugestão” do jogo neutro no Maracanâ.

Após o retorno ao Brasil o Rei do Futebol teve de fazer uma operação nas amigdalas e não pôde jogar a final. Assim, no Maracanâ, no dia 29 de março de 1960, frente a um público de aproximadamente 20.000,00 pessoas, quase todas torcendo pelo Bahia, as equipes entraram em campo. O Santos, a melhor equipe da época abriu o placar com um gol de Coutinho. Até aí tudo normal. Até que Vicente empata o jogo em uma cobrança de falta. As viagens e os jogos sucessivos na Europa começam a vitimar o time da baixada. Faltavam pernas para superar os motivados e insinuantes baianos. Logo no início do segundo tempo o Bahia vira o placar com um gol de Léo. Foi o que bastava para os jogadores do Santos perderem o controle, cometeram faltas grosseiras e daí para as expulsões de Getúlio, Formiga e Coutinho foi um pulo. Os santistas apelaram feio e a polícia teve que entrar em campo para “acalmar” os ânimos. Dorval também agrediu Henrique e foi mandado pro chuveiro mais cedo. No final do jogo os baianos sacramentaram a vitória com mais um gol. Final Santos 1, Bahia 3.

Os baianos acabaram com a festa antecipada dos santistas. Fala-se até que Atiê Jorge Cury, dirigente do Santos teria trocado telegramas com dirigentes do San Lorenzo de Almagro, da Argentina, propondo datas e locais para os jogos da Libertadores, mas, no final das contas quem enfrentou os argentinos foi o Esporte Clube Bahia.

Ficha técnica da partida final:

Bahia: Nadinho, Beto, Henrique, Vicente e Nezinho, Flavio e Mario, Marito, Alencar, Léo e Biriba.
Santos: Lalá, Getúlio, Mauro, Formiga e Zé Carlos. Zito e Mário, Dorval, Pagão, Coutinho e Pepe.
Árbitro: Frederico Lopes (RJ)
Local: Estádio Mário Filho “Maracanã”

2 comentários:

Mario disse...

Excelente trabalho jornalístico Geléia! Quem quiser informações complementares pode encontrar na página:

www.esporteclubebahia.com.br/especial_1959.asp

Bianchini disse...

Hahaha, "aparente inspiração democrática" foi ótimo!!!
Seu texto foi uma verdadeira aula de história, continue assim!!!!