segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Um homem de moral

O Fluminense é o novo campeão brasileiro. Não sei se pela segunda ou terceira vez. E para falar a verdade, acho que isso pouco importa hoje. Prefiro pensar nos personagens dessa conquista, nos protagonistas. Durante a tarde de ontem tentei pensar num personagem que pudesse estampar essa conquista de um clube que, nos últimos 20 anos renasceu das cinzas do futebol brasileiro. O nome óbvio entre o elenco de jogadores seria o de Dario Conca. Um argentino anônimo em seu país, mas, que em terras brasileiras, tornou-se figurinha carimbada e indispensável. Foi o jogador mais importante do Tricolor das Laranjeiras. Mas, e os demais jogadores? Alguns bem menos valorizados que o argentino e que tiveram um papel fundamental na campanha tricolor.

O renascimento do Fluminense trouxe à minha lembrança uma música famosa do compositor Paulo Vanzolini, chamada “Volta por cima”, que diz em seus versos:

Chorei,
Não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava.
(...)
Um homem de moral
Não fica no chão
Nem quer que mulher
Lhe venha dar a mão
(...)
Reconhece a queda
E não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima...

Nesse momento, não tive dúvidas do personagem do título tricolor; o técnico Muricy Ramalho. Pensar no que foi a vida e carreira desse homem nos últimos dois anos daria um livro, um filme, sei lá, mas, permitam-me fazê-lo apenas com este post.

Imagine que esse homem foi consagrado como o melhor técnico do país, pelos incontestáveis títulos brasileiros de 2006, 2007 e 2008, mas, sempre foi questionado por dirigentes, jogadores e torcedores do clube de seu coração, por motivos que variavam entre a ausência de polidez exigida aos profissionais do clube e, até mesmo uma infundada incompetência na disputa de torneios eliminatórios, como se o santo da casa não pudesse fazer milagres. O homem engoliu calado todas essas vozes, até que, inevitavelmente, o casamento com a mulher da sua vida acabou após uma derrota.

Eu, como torcedor, apoiei a decisão, pois, entendo que a mudança era saudável para o técnico e para o clube. Após alguns anos, o desgaste da relação já era visível, mas, ao Muricy ainda pertencia o rótulo de melhor técnico do país. Ele não teria problemas para iniciar um outro trabalho vitorioso nos maiores clubes do Brasil. Pelo menos, era o que eu pensava. E o pior, acho que o Muricy pensava da mesma forma.

Talvez por essa razão nem tenha “deixado o defunto esfriar”, como diriam os mais antigos e já partiu para uma nova empreitada. E justo num clube rival. No Palmeiras. Eu nunca disse ou escrevi isso, mas, sempre achei que aquelas cores não combinavam com o Muricy. O Palmeiras queria ter o melhor técnico, mas, precisava de um profissional diferente daquele homem. Alguém que entendesse o funcionamento daquele clube, principalmente num momento político conturbado. O Muricy não era esse cara, embora eu ache que ele trabalhou com o mesmo afinco e disposição dos tempos de São Paulo. Porque o Muricy é assim. E o casamento, bom, esse acabou mais cedo, como acabam aquelas casamentos motivados por uma paixão febril, quase insana.

Após os “fracassos”, será que o Muricy ainda podia ser considerado o melhor? Será que ele ainda era capaz de comandar um grupo para as grandes conquistas? Eu pensei nisso. Você, leitor, pensou também. E pergunto se o Muricy não se questionou da mesma forma ao aceitar o desafio imposto pelo Fluminense. Afinal, em pouco menos de um ano havia acumulado duas grandes decepções. E mais, será que valia a pena tentar trabalhar em outro Estado, com outra realidade futebolística e com tantas expectativas envolvidas? Felizmente, o Muricy achou que valia pena. Tanto que recusou uma oferta única para dirigir a seleção de seu país na Copa do Mundo disputada em casa. Eu tenho certeza que, embora outros profissionais tenham criticado a atitude, o grupo de jogadores percebeu que aquele técnico era pra valer, que iria defender o grupo até a última rodada, que era o homem de moral de que tanto precisavam para triunfar.

E, olha, o título veio. Já discutimos sobre o clima de entreguismo e as suspeitas de malas, mas, a verdade, e é aquela que pertence à história a partir de ontem é a da conquista do Fluminense, que veio com a cara do seu técnico, privilegiando a defesa e a velocidade no ataque. Hoje, é o dia em que o torcedor do Fluminense pode reencontrar a sua história, o seu legado de vitórias. Tirar do armário aquela camisa desbotada e exibi-la orgulhoso nas ruas. A volta por cima foi dada. Aquele homem de moral que caiu, reconheceu a queda, não desanimou, levantou e sacudiu a poeira.

3 comentários:

Sérgio Oliveira disse...

Grande texto!! Disse muito sobre o Muricy anteriormente, e nesta conquista, por motivos óbvios, esperei apenas a manifestação de outros articulistas!

Anônimo disse...

O post diz tudo... Muricy é o melhor, não apenas pelo título, mas pelo caráter e profissionalismo, o que hoje tá se tornando raridade.

Mario disse...

Muricy não só sacudiu a poeira, como todo o pó-de-arroz fluminense que já estava cheirando naftalina.

É o melhor técnico do Brasil e já deixou Luxa pra trás faz tempo.